Sofá de Couro

A neta tentava contornar os diferentes compromissos para sair da selva de concreto em que se aprisionava.
O Solar das Hortênsias, seu refúgio ao trancar a porta depois de dias atarefados, representava um espaço por muitos ignorado.
Mabel escrevia uma outra história e sua vida pertencia ao campo, às mãos acalentadas pela solidão de um jardim.
Lembrava agora de Tia Nininha e um sorriso melancólico disse sim à viagem há tanto planejada.
Dois filhos, duas ausências de quem esquece a mãe feito paisagem à deriva.
Sentia assim a tristeza da tia e os hiatos dos primos.
Quando chegou, sabia que ela estava lidando com os afazeres do jardim.
Aguardou o rosto e a resposta: seja bem-vinda, minha filha!
Seu corpo aguardava o cheiro da terra e guardava campos férteis.
Algo molhado teimava em cair de seus olhos, mas se conteve.
Precisava daquele lugar como quem pede abrigo, e acolhida, sabia que a tia era quem exigia guarida.
Pouco pedia, contentava-se com as breves presenças para as longas ausências que viriam depois.
- Estás mais magra, menina. Anda se alimentando bem?
- Tenho sede, tia. O saber e o sabor do que vivo matam minha fome.
- E os livros? Tens escrito muito? Presta atenção nas pausas, vives em meio às buzinas e tropeços, não esqueças do verde quando olhares.
Tia Nininha evita falar de si, se entretém com as novidades que lhe escapam do outro mundo.
Abre a janela e lembra do amado, diante do sofá de couro, sempre acarinhado pelas palavras que ela repete:
- Nada é tão grande que não possa acabar, nem a alegria e nem a tristeza. Portanto, descarregue bagagens desnecessárias: rancor, sentimento não correspondido, promessas não cumpridas, beijo roubado.
Abraço aquele corpo adivinhado por instantes que dividimos.
Esqueço da rotina que me impede de ficar aqui por mais tempo.
Sinto o cheiro do café fresquinho invadindo os pequenos cômodos da casa.
Seus abraços decoram a mesa e nos fartamos.
Peço colo.

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